Carta de Natal 2023 do Abade Geral da Ordem de Cister

19/12/2023

Servos da luz e testemunhas da esperança

Caríssimos irmãos e irmãs,

Escrevo esta carta depois de ter vivido a experiência do Sínodo dos Bispos, cuja primeira sessão ocupou todo o mês de outubro, na espera de concluir-se dentro de um ano com a segunda sessão. Todos podem ler o Relatório de Síntese intitulado "Uma Igreja Sinodal em Missão", publicado no final da primeira sessão (29 de outubro de 2023), bem como a Carta ao Povo de Deus, divulgada no dia 25 de outubro. São documentos que procuram fazer eco de um mês de oração, trabalhos, encontros, escuta, discussões, e que querem ajudar toda a Igreja a continuar este caminho rumo e para além do encerramento deste Sínodo sobre a sinodalidade.

Esta minha carta pretende apenas realçar alguns aspectos desta experiência para favorecer a nossa participação na fase atual do caminho sinodal da Igreja. Todos somos convidados a acolher e a experimentar aquilo que o Espírito Santo está dizendo a toda a Igreja e às Igrejas particulares como a nossa Ordem, as nossas comunidades, juntamente com todas as pessoas que fazem um caminho conosco. O tempo do Advento e o Natal nos ajude a acolher estas sugestões com um coração pobre, em escuta, suplicante; um coração disposto à conversão que nos é pedida para acolher com alegria Cristo que vem para salvar o mundo.

O Sínodo e a guerra

O mundo está cada vez mais dividido e em guerra. O que esta circunstância trágica nos pede? Não basta estar informado, expressar horror e solidariedade. Não basta condenar os culpados e sentir-nos solidários com as vítimas. "Os pagãos também não fazem isso?" (Mt 5,47). Nós cristãos, somos chamados a fazer mais. Não porque somos melhores ou mais capazes, mas porque recebemos mais. Nós temos Cristo, e Cristo é tudo que a humanidade tem necessidade. "Quem tem o Filho tem a vida; quem não tem o Filho de Deus não tem a vida", exclama São João (1 João 5,12). Cristo é tudo, Cristo é a paz. Temos em Jesus a paz, da qual têm necessidade, os povos em guerra, os povos oprimidos, as comunidades em conflito, as famílias divididas, os corações perturbados pelo seu próprio mal ou pelo mal dos outros.

Então devemos perguntar-nos com sinceridade: por que damos tão pouco Cristo? Por que, tendo tudo Nele, não o damos ao mundo que tanto precisa? Mas como devemos dá-lo? Por que, quando somos convencidos a dá-lo, nos parece tão pouco acolhido? Talvez o damos mal? Talvez não damos verdadeiramente Ele? Talvez a maneira como pensamos de dá-lo, na realidade o esconde, o retenha para nós? Talvez nos sintamos demasiado inadequados para esta tarefa só porque nos tornamos mais pequenos, mais frágeis e cansados?

Não devemos esquecer a preocupação fundamental do Sínodo: ajudar a Igreja a ser no mundo de hoje "sinal e instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o gênero humano" (Lumen gentium 1). O pensamento das guerras na Ucrânia e na Terra Santa, tornado mais intenso pela presença no Sínodo de alguns membros provenientes daquelas terras, acompanhava constantemente o nosso reunir-se e tornava ainda mais ardente e urgente a consciência desta missão essencial com a qual o Concílio Vaticano II definiu a Igreja. Se toda a Igreja não diz "Aqui estou, envia-me!" (Isaías 6,8) para acolher de Deus a graça de ser sinal e instrumento da comunhão com Deus e da unidade do gênero humano, a humanidade corre o risco de autodestruir-se, em todos os níveis e de muitos modos. Um sinal tem sentido se a realidade que ele indica se realiza; um instrumento tem sentido se cumpre a obra que deve exercitar. A união filial com Deus de cada homem e a unidade fraterna de toda a humanidade são o que dá sentido à Igreja. A Igreja, e cada comunidade e pessoa que a compõe, realiza-se na missão ao serviço da comunhão.

A luz dos povos

A Lumen gentium começa com estas palavras: "Cristo é a luz dos povos: este Santo Concílio, reunido no Espírito Santo, deseja ardentemente, anunciando o Evangelho a toda criatura (cf. Mc 16, 15), iluminar todos os homens com a luz do Cristo que brilha no rosto da Igreja" (LG 1).

A Igreja é sinal e instrumento da luz dos povos que é Cristo. O verdadeiro rosto da Igreja, apesar de todas as incoerências dos seus membros, é o rosto de uma esposa radiante de amor pelo Esposo. Ela reflete o amor infinito que o Esposo nutre por ela e, através dela, por toda a humanidade. A Igreja não pode experimentar o amor de Cristo sem sentir-se arder pelo desejo de comunicá-lo, de refletir a luz de Cristo ao mundo inteiro. A Igreja não deve criar luz: a deve apenas refleti-la como a lua, como um espelho. Quanto mais limpo o espelho, mais ele reflete a luz sem diminuí-la ou modificá-la. Toda reforma da Igreja, toda reforma de uma Ordem ou de uma comunidade, como toda verdadeira conversão pessoal, não consiste em mostrar a sua própria beleza, mas para refletir a beleza de Cristo sem sombras e opacidade.

A beleza de Cristo é toda a beleza de Deus manifestada ao mundo.

Se estivermos conscientes disso, entendemos que todos, sem exceção, podemos refletir esta luz, pois ela nos ilumina totalmente. Quando Jesus olha um pecador, quando olha a mulher adúltera, ou Zaqueu, ou a Samaritana, ou Pedro, enquanto ele o nega, nos seus olhos, sobre seu rosto, brilha toda a luz do seu amor. Não devemos temer que a nossa miséria esconda a luz de Cristo. Se a miséria da humanidade pecadora pudesse ter impedido que a luz do rosto de Jesus iluminasse o mundo, ninguém o teria encontrado, ninguém o teria seguido, ninguém teria se convertido. Nada pode deter a luz misericordiosa do olhar de Cristo sobre o homem.

Esconder a Luz

O verdadeiro problema é que podemos esconder esta luz. Não podemos desligá-la, não podemos impedi-la de brilhar sobre nós, mas podemos escondê-la. Jesus disse isso claramente quando lembrou aos seus discípulos que "não se acende uma lâmpada e a coloca debaixo do alqueire, mas no candelabro, e assim ilumina todos os que estão na casa" (Mt 5,15).

Que loucura colocar uma lâmpada acesa debaixo do alqueire ou, como acrescenta o Evangelho de Marcos, "debaixo da cama" (Mc 4,21). No entanto, muitas vezes fazemos assim. De mil maneiras cedemos à tentação de esconder a luz de Cristo aos nossos olhos e dos outros. Não permitimos ao mundo ver que somos amigos do Senhor, que somos seus. Como Igreja, somos chamados a ser sinal e instrumento da luz de Cristo que ilumina o nosso rosto, mas muitas vezes é como se tivéssemos vergonha de mostra-la. Não se trata de "fazer propaganda" de Cristo, de "fazer proselitismo", mas simplesmente de não esconder Jesus que tão livremente se doa a nós. Às vezes falamos Dele ou anunciamos o seu Evangelho, talvez mais preocupados em difundir a luz do nosso rosto do que em refletir a sua.

Jesus disse para não esconder a luz debaixo da cama ou do alqueire. O que essas imagens curiosas simbolizam? Quem ouviu Jesus naquele momento deve ter sorrido. Talvez a cama simbolize a nossa preguiça, a nossa busca de conforto, a nossa falta de vigilância e atenção. Já o alqueire é um balde que servia para medir o grão e calcular o preço. Era, portanto, um instrumento para calcular e fazer comércio do seu conteúdo. Contudo, a luz não pode ser vendida: ela é dada por si mesma, é um presente em si. Por natureza ilumina a todos, a menos que a escondamos para guardá-la apenas para nós, para dormir sobre ou fazer comércio. Jesus nos lembra a não esconder sua luz sob nossa conveniência ou sob a nossa medida e sede de ganho.

Cada um de nós pode examinar a própria vida, cada comunidade pode examinar-se a si mesma, tal como, por exemplo, a Carta Caritatis nos pede para o fazer em cada Capítulo Geral, reunião sinodal por excelência, ou durante as Visitas canónicas. Sob o que e como escondemos a luz do mundo que é Cristo? A isto toda a Igreja é chamada pelo Sínodo e sempre. A Igreja não deve reformar-se para ser bela ela mesma, mas para não esconder o rosto do Senhor que olha o mundo com compaixão e amor infinitos.

Servos da luz

Basta não esconder a luz de Cristo, basta coloca-la sobre o candelabro, para que brilhe para todos. Às vezes complicamos a nossa missão e o nosso testemunho, porque pensamos que exigem grandes talentos, coragem, inteligência e santidade. Mas se a luz nos é doada, se vem a nós, como o anúncio aos pastores ou a estrela dos Magos, basta colocá-la sobre o candelabro, isto é, não escondê-la. Uma pessoa ou uma comunidade que simplesmente não esconde a presença de Cristo, a sua amizade, a verdade da sua palavra, torna-se um candelabro e vive assim a plenitude da sua missão. Muitas vezes são as pessoas ou as comunidades humanamente mais insignificantes que manifestam Cristo com mais clareza, precisamente porque com elas Jesus pode ser plenamente ele mesmo, exprimindo toda a ternura da sua presença.

Toda a vida cristã, e toda a vida monástica, exige uma ascese, não para acender a luz, mas para acolhê-la e colocá-la sobre o candelabro. No dia do nosso Batismo recebemos a luz de Cristo, aquela que se acende na Noite Pascal. A partir desse momento, toda a vida é chamada a manter acesa esta chama e a transmiti-la a todos.

Quem a esconde debaixo do alqueire ou debaixo da cama impede ao seu Batismo de dar frutos. O fruto do Batismo é que a nossa vida sirva o esplendor do rosto do Senhor. Até os dois discípulos de Emaús, cujo caminho é o paradigma da sinodalidade cristã, sentiram arder nos seus corações como uma chama, acesa pela presença e pela palavra do Ressuscitado. Quando abriram os olhos ao esplendor eucarístico do dom de Cristo ao mundo, simbolizado pelo pão partido, correram imediatamente para levar esta luz aos seus irmãos e irmãs em Jerusalém. Podemos fazer a mesma experiência na nossa vida, se nos deixamos verdadeiramente guiar por aquilo que a Igreja, e em particular a nossa vocação, nos oferece para acolher e transmitir a luz de Cristo.

Luz é antes de tudo a Palavra de Deus, o Evangelho, que somos chamados a escutar meditando a Sagrada Escritura, mas também escutando Jesus que misteriosamente nos fala através de tudo e de todos, porque Ele é o Verbo que se exprime em cada criatura e que, sobretudo, ama falar-nos através dos pequenos e dos pobres, aos quais não são escondidos os segredos do Pai (cf. Mt 11,25).

Luz é a vida comunitária que é a vida do Corpo do Senhor e na qual dá os seus passos cotidianos o povo de Deus em caminho na história rumo à Jerusalém celeste. Cultivar a fraternidade significa manter acesa a chama da caridade de Cristo no mundo.

Luz é a Cruz na qual a oferta de todos os sofrimentos culpados e inocentes do nosso coração e da humanidade são logo transformados pelo Espírito Santo em plenitude de amor e de fecundidade, como em Maria, Mãe de todos os filhos de Deus.

Luz é humildade, a pobreza dos corações e nas relações, que nos une à luz de Cristo como a lenha ao fogo. A própria humildade é luz, a própria pobreza brilha, porque não acrescentam ao amor de Cristo, apenas a matéria que se deixa queimar completamente sem reservar nada para si.

Podemos então dizer que quando escutamos e caminhamos juntos, oferecendo a nós mesmos com humilde pobreza, se realiza entre nós o consenso mais precioso e luminoso das nossas diferenças: o próprio Jesus Cristo!

A luz da esperança

O Papa Francisco chama-nos constantemente a sermos testemunhas de esperança no meio de um mundo dividido e desorientado. A esperança, de fato, é a luz de Cristo que vem curar as feridas da humanidade.

O que significa ter e testemunhar a esperança?

Muitas vezes vinculamos a nossa esperança às razões que nos fazem vislumbrar um futuro melhor. Se chega uma vocação no mosteiro, temos a esperança de que a comunidade poderá sobreviver. Se durante uma doença vemos que os tratamentos começam a fazer efeito, temos a esperança de recuperar completamente. Mas a verdadeira esperança cristã não se baseia em razões que nos fazem esperar um futuro melhor. A esperança cristã tem um só fundamento: a fé em Deus, a confiança no Pai, a comunhão com Cristo presente que caminha conosco. Esta esperança, mais forte do que qualquer esperança humana baseada apenas em razões instáveis, é uma graça, um dom do Espírito. Essa não nos faz viver daquilo que o mundo nos dá ou daquilo que podemos ser ou fazer, mas de Deus que nos doa a si mesmo, que nos acompanha como um bom Pastor e que vive em nós. O próprio Cristo é a nossa esperança, a única esperança que não decepciona.

Esperanças baseadas em razões passageiras, mais cedo ou mais tarde, decepcionam. Fazem-nos esperar por um futuro de sonho que raramente se torna realidade, e se se torna realidade é uma realidade que não dura e desilude as expectativas do coração. São as esperanças do rico insensato descrito por Jesus no Evangelho, que diz a si mesmo: «"Minha alma, tens muitos bens à tua disposição, por muitos anos; descanse, coma, beba e divirta-se!". Mas Deus lhe disse: "Tolo, esta mesma noite sua vida será pedida. E aquilo que preparou, de quem será?"» (Lc 12,19-20).

A esperança, por outro lado, é a virtude dos pobres e dos humildes que se apoiam somente na confiança em Deus. É a virtude que não se limita a esperar um futuro melhor, mas que muda já o presente, preenchendo de paz as circunstâncias em que vivemos, mesmo quando são difíceis, cansativas, cheias de armadilhas. O que melhora a vida não é antes de tudo a mudança das circunstâncias, mas a conversão do nosso coração que reconhece que Jesus está aqui, caminha conosco, nos fala, nos ama, nos perdoa e nos ajuda a perdoar e a amar os outros.

É este o testemunho que verdadeiramente traz esperança ao mundo; é esta é a luz de Cristo na nossa vida que não devemos esconder e que devemos ajudar-nos a fazer brilhar com humildade e simplicidade, com a alegria dos pastores de Belém que, depois de terem visto a luz no Menino e a acolherem nos seus corações, imediatamente a colocaram sobre o candelabro do seu rosto e da sua palavra parailuminar com ela toda a humanidade.

Façamos uns aos outros, rezando e adorando, esta saudação de Natal e continuemos a caminhar juntos, movidos e sustentados pela esperança que revela ao mundo a luz de Cristo!

Dom Mauro-Giuseppe Lepori O. Cist.
Dom Mauro-Giuseppe Lepori O. Cist.